quinta-feira, 12 de março de 2009

Papo no Táxi

Outro dia precisei tomar um táxi às pressas. Estava chovendo, frio, era de manhã cedo. Entrei no carro meio estressada, achando que tinha esquecido a agenda e o celular, mas estava tudo na bolsa - respirei aliviada.

O motorista começou a se desculpar: "Olha como estou todo sujo, me desculpe. A caixa d'água de um amigo transbordou e ele pediu ajuda", explicou. "Se eu posso ajudar, ajudo."

Ele contou que foi à casa do amigo, um taxista indiano, e que depois de resolver o problema ficou com as mãos coçando: "Embaixo da caixa d'água tinha um material estranho, fiquei assim, me coçando".

Perguntei se ele teria tempo de voltar para casa antes do próximo serviço. "Não". Sugeri que depois de me deixar ele parasse em um pub para lavar as mãos - sei lá, de repente, aquele material era tóxico...

Aí ouvi a pergunta obrigatória: "De onde você é?"

"Brasileira", respondi. E para evitar os clichês de sempre (futebol, praia, samba...), devolvi rápido "E você?"

Ele era de Kosovo. A conversa mudou.

O motorista tinha lutado ao lado do Exército para a Libertação de Kosovo (ELK) contra a repressão do temido líder sérvio Slobodan Milosevic. Ná época, tinha vinte e poucos anos. Hoje tem 34.

Fui fazendo mil perguntas. Não, ele não sofria de estresse pós-traumático. Não tinha muitos pesadelos. Sim, tinha perdido seis pessoas da família. Tinha visto coisas horríveis. Coisas horriveis, que ele não queria nem lembrar.

Os sérvios tinham o terceiro maior exército da Europa, por isso tinha demorado tanto para o mundo intervir - ele explicou.

Eu tinha lido coisas chocantes. Um relato pessoal de um homem que sobreviveu à execução de milhares de bósnios muçulmanos na cidade de Srebrenica, em 1995. "Ele foi salvo pelo corpo do próprio sobrinho adolescente, que absorveu o impacto da bala e caiu sobre o tio", expliquei.

"Não me conte, por favor, não posso ouvir essas histórias, não aguento", pediu.

Quando chegamos ao meu destino, expliquei que tinha um problema no olho e pedi que ele parasse bem pertinho da porta. O motorista deve ter dito uns cinco "Deus te abençoe" daquele momento até eu sair do carro.

"Você tem troco para 20 libras?", perguntei. "Tenho. Eu tenho muito dinheiro". Comecei a rir. "É verdade, tenho um monte de dinheiro. E vai dar tudo certo, você vai ver. God bless you".

Saí do carro de alma leve.

Será que, com essa depressão econômica, as pessoas vão redescobrir o valor do coletivo? O aconchego de uma causa, o alento de estarmos todos no mesmo barco?
Espero, muito, que sim.
(Monica Vasconcelos 27/01/2009)

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